Câmara: Seria o sujo denunciando o mal lavado?
Por Tribuna Foz dia em Notícias

RANIERI E SEU ASSESSOR
Câmara: Seria o sujo denunciando o mal lavado?
A ironia é irresistível: O assessor falsário denunciando o vereador que o nomeou. A corrupção apontando o dedo para a imoralidade. O sujo acusando o mal lavado
Em Foz do Iguaçu, a política parece cada vez mais um teatro tragicômico onde os papéis de mocinho e vilão se confundem conforme a conveniência do roteiro. E no mais recente capítulo dessa novela moral chamada "ética pública", dois personagens dividem o palco: o vereador Ranieri Marchioro e seu ex-assessor Leandro da Silva Pinto.
Um, representante da nova "moralidade conservadora"; o outro, blogueiro de reputação duvidosa, condenado pela Justiça Eleitoral por crimes cometidos nas eleições de 2024. Ambos unidos por um laço que começa na política e termina na lama. E é justamente por isso que a pergunta ecoa nas ruas e nas redes: seria o sujo denunciando o mal lavado?
Para entender o tamanho do enredo, é preciso voltar um pouco no tempo. Leandro Pinto ganhou notoriedade como um dos mais barulhentos defensores do então candidato General Joaquim Silva e Luna, nas eleições de 2024. Com o típico fervor dos "soldados digitais" da extremadireita, ele atacou adversários, desrespeitou decisões judiciais, afrontou a imprensa e vestiu a camisa do bolsonarismo local com orgulho quase fanático.
Resultado
O resultado foi condenado pela Justiça Eleitoral. Mas, ironicamente, meses depois, quem surge como seu padrinho político? Ninguém menos que o vereador Ranieri Marchioro, aliado fiel do general.
Em janeiro de 2025, Leandro Pinto foi nomeado assessor parlamentar do vereador Ranieri, com salário de R$ 11.700,00, um valor alto até para quem se apresentava como "defensor da moral e dos bons costumes". O cargo exigia ensino médio completo, mas, como a política iguaçuense adora surpresas, descobriu-se que o novo assessor não tinha sequer concluído o ensino fundamental. E o diploma apresentado? Falso. Uma falsificação grosseira, como revelou a auditoria da Câmara Municipal.
Durante quatro meses, Leandro Pinto recebeu salário público sem preencher o requisito básico para ocupar o cargo. E o mais curioso: o próprio vereador, tão zeloso nas redes sociais e tão moralista nos discursos, alegou que "não sabia de nada". Alegar ignorância virou escudo para o inescusável. Mas há algo de podre no discurso, virou cheiro podre e se espalhou rápido.
Em abril, a Câmara Municipal de Foz do Iguaçu, presidida por Paulo Debrito (PL), base aliada do prefeito General Silva e Luna detectou irregularidades em documentos de servidores comissionados. Entre eles, o nome de Leandro Pinto saltou aos olhos. A auditoria apontou para a falsificação do diploma e instaurou um procedimento administrativo disciplinar. A denúncia era clara: uso de documento falso, crime previsto na legislação municipal e no Código Penal.
Diante da situação, Ranieri agiu rápido, ou fingiu agir. No dia 1º de maio de 2025, solicitou a exoneração do assessor, tentando dar ao caso um ar de correção moral. No papel, a justificativa foi que o próprio assessor reconheceu a irregularidade. Na prática, era o clássico "salve-se quem puder". A Portaria nº 167/2025 oficializou a exoneração, retroativa ao dia 30 de abril, na tentativa de limitar o dano político. Mas era tarde demais. O escândalo já estava exposto.
Pouco depois, a Câmara confirmou o óbvio. O diploma era falso. E o Ministério Público do Paraná pediu a devolução dos R$ 48.620,23 pagos indevidamente a Leandro. O golpe final veio em junho, quando a Secretaria de Estado da Educação do estado do Paraná atestou que o ex-assessor sequer havia concluído o ensino fundamental. Ou seja, não havia boa-fé, erro ou mal-entendido, havia fraude intencional.
Mesmo diante disso, Leandro Pinto ainda teve a audácia de recusar o acordo de não persecução criminal (ANPC) oferecido pelo Ministério Público, que previa o pagamento de uma multa de apenas R$ 3 mil. Recusou-se a admitir o erro. Preferiu enfrentar o processo judicial, talvez acreditando que, como em outras épocas, a impunidade viria pela porta dos fundos da política.
Mas o roteiro deu uma guinada inesperada. E em setembro de 2025, o mesmo Leandro Pinto que entrou pela porta da frente de Ranieri Marchioro na Câmara Municipal de Foz do Iguaçu, voltou para atirar pedras na vidraça do ex-patrão. Protocolou uma denúncia por quebra de decoro parlamentar, contra o vereador. O plenário, por 9 votos a 4, acatou a representação, que seguiu para o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. A relatora sorteada foi a vereadora Valentina Rocha (PT), e o vereador foi notificado para apresentar defesa.
A ironia é irresistível: O assessor falsário denunciando o vereador que o nomeou. A corrupção apontando o dedo para a imoralidade. O sujo acusando o mal lavado. E o povo, que deveria ser o verdadeiro patrão desses senhores, assistindo perplexo ao espetáculo da hipocrisia.
RANIERI E SEU ASSESSOR
Vereador e ex-assessor, ambos envolvidos com o crime
Ranieri eleito sob o guarda-chuva do bolsonarismo local, prometia moralizar a política. O que era "Deus, Pátria e Família". Mas a realidade se revelou mais próxima de outro lema: "Deus, Pátria e Falcatrua"
Mais grave ainda é o contexto político que sustenta essa farsa. Ranieri Marchioro, eleito sob o guarda-chuva do bolsonarismo local, prometia moralizar a política, acabar com "as velhas práticas" e defender o trio sagrado do populismo conservador: "Deus, Pátria e Família". Mas a realidade se revelou mais próxima de outro lema: "Deus, Pátria e Falcatrua". O discurso da ética virou retórica vazia, usada apenas enquanto útil para o marketing eleitoral.
O caso levanta perguntas incômodas: quem realmente indicou Leandro Pinto ao cargo? Foi o próprio vereador? Ou teria sido uma imposição do general Joaquim Silva e Luna? A quem Leandro Pinto sempre defendeu com unhas e dentes durante a campanha? Afinal, não é segredo que o general tem influência direta sobre os parlamentares de sua base, e Ranieri, até pouco tempo, era um de seus fiéis escudeiros. Se a nomeação partiu do alto, o vereador foi cúmplice ou apenas subordinado de um esquema de favores políticos?
O mais cômico, ou trágico, é que Leandro Pinto e Ranieri Marchioro só se tornaram inimigos depois da exoneração. Enquanto os dois estavam juntos, a parceria era silenciosa e lucrativa. Mas bastou o dinheiro parar de cair na conta para que os aliados se tornassem inimigos mortais. É o retrato fiel de uma política onde a lealdade dura o tempo do contracheque.
Agora, com a denúncia nas mãos da 1ª Vara da Fazenda Pública, o juiz Rodrigo Luiz Giacomin decidirá se aceita ou não a acusação contra Leandro. Caso seja condenado, ele poderá perder direitos políticos, devolver os valores recebidos e ser proibido de ocupar cargos públicos. Já o vereador Ranieri, por sua vez, poderá enfrentar processo ético, afastamento e até cassação. Um destino previsível para quem acreditou que a "nova política" era apenas uma farda para vestir sobre as velhas práticas de sempre.
Enquanto isso, o discurso moralista da direita local vai ruindo. O vereador que dizia combater "os corruptos do passado" agora é investigado por negligência e possível conivência com crime de falsidade ideológica. O ex-assessor, que se apresentava como paladino da verdade e soldado da pátria, é acusado de enganar o próprio Estado com um diploma forjado. A direita, que se dizia a guardiã da moral, revela-se, mais uma vez, moralmente falida.
O episódio é simbólico de algo maior: o fim da ilusão do bolsonarismo local como movimento ético. O que se prometia como renovação virou reincidência. O que se vendia como patriotismo virou oportunismo. O que se gritava nas ruas como "Deus acima de tudo" acabou se mostrando como "interesse acima de todos".
A verdade é que nem o Vereador Ranieri Marchioro e nem Leandro Pinto podem posar de vítimas. Um nomeou sem verificar; o outro falsificou sem vergonha. Um se diz traído; o outro, injustiçado. No fundo, ambos são produtos da mesma cultura política que naturaliza o crime, desde que o criminoso esteja "do lado certo". E, quando os interesses se chocam, o castelo de areia desaba. Isso levando junto a credibilidade de quem jurava ser exemplo de moralidade.
Hoje, a Câmara de Foz vive a expectativa de ver o vereador enfrentar o Conselho de Ética. Se for afastado, terá tempo para refletir, talvez por quatro meses, sobre o que realmente significa ser representante do povo. Sobre o valor da verdade. E, sobretudo, sobre o limite entre o discurso e a prática.
O caso Leandro Pinto e Ranieri Marchioro é um espelho da decadência de uma geração política que trocou a ideologia pela conveniência e a fé pela manipulação. Mostra que os paladinos da "nova direita" não são diferentes dos corruptos que eles tanto criticavam. Apenas mais barulhentos, mais cínicos e, às vezes, mais amadores.
No fim das contas, talvez a pergunta inicial tenha resposta simples: sim, o sujo denunciou o mal lavado. E o povo, mais uma vez, ficou com o pano na mão, tentando limpar a sujeira que não fez.
Esta é uma reprodução da matéria jornalística publicada pelo Jornal Tribuna Popular, Edição 422, Páginas 8 e 9, de autoria do Jornalista Enrique Alliana