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Conflito de interesses, omissão e sucateamento: A grave situação da Assistência Social

Por Tribuna Foz dia em Notícias

Conflito de interesses, omissão e sucateamento: A grave situação da Assistência Social
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FOZ DO IGUAÇU

Conflito de interesses, omissão e sucateamento: A grave situação da Assistência Social

A Secretaria Municipal de Assistência Social de Foz do Iguaçu, órgão que deveria estar à frente da proteção de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, se vê hoje no centro de um turbilhão de dúvidas éticas, administrativas e operacionais. O caso que mais chama atenção, entre tantas denúncias e suspeitas, envolve justamente quem deveria zelar pela legalidade e pela boa gestão pública: o atual secretário da pasta, Alex Priver Decian Thomazi, e seu diretor de Proteção Social Especial, Sidney Ribeiro.

Ambos os nomes têm em comum mais do que apenas cargos estratégicos dentro da estrutura da Assistência Social de Foz. Até o final de 2024, eles eram os responsáveis diretos por uma das instituições que mantém contrato milionário com o município: a Aldeias Infantis SOS, organização voltada ao acolhimento institucional de crianças e adolescentes.

À época, Alex Thomazi era o gestor geral da entidade, enquanto Sidney Ribeiro atuava como responsável técnico. Curiosamente, a mesma instituição firmou um contrato de quase R$ 10 milhões com a Prefeitura de Foz do Iguaçu - contrato esse que, atualmente, é justamente gerenciado e fiscalizado por Alex Thomazi e Sidney Ribeiro. Ou seja, as mesmas pessoas que assinaram o contrato em nome da contratada agora estão, do outro lado da mesa, pagando e supervisionando o mesmo contrato como agentes públicos comissionados.

A situação, apesar de não configurar de forma automática uma ilegalidade, escancara uma grave imoralidade administrativa e um evidente conflito de interesses, colocando em xeque os princípios da impessoalidade e da moralidade pública que regem a administração pública, conforme determina o Art. 37 da Constituição Federal.

O que diz a Lei?

Segundo o Art. 8º, §3º da Lei nº 14.133/2021, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a atuação de fiscais e gestores de contrato deve ser regulada e acompanhada por órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno. Ou seja, todo contrato com a administração pública precisa ter mecanismos de fiscalização sérios e independentes. Quando quem deveria fiscalizar é a mesma pessoa que participou da celebração do contrato enquanto representante da parte contratada, perde-se completamente o controle cruzado das ações e abre-se brecha para todo tipo de suspeita: superfaturamento, prestação de contas fictícia, conivência com irregularidades, omissão deliberada e até favorecimento político.

Mais grave ainda é o fato de que não há registros públicos de qualquer apuração por parte do controle interno da Prefeitura ou do Ministério Público sobre essa situação. A ausência de mecanismos de freios e contrapesos favorece o aparelhamento institucional e enfraquece o zelo pela legalidade e ética na administração pública.

Irregularidades nas casas de acolhimento

E não para por aí. As casas de acolhimento, que deveriam ser ambientes seguros, adaptados e supervisionados, estão longe de oferecer as mínimas condições exigidas pela legislação brasileira.

Segundo apuração junto ao Conselho Tutelar de Foz do Iguaçu, em fiscalização realizada a partir de 1º de maio de 2025, foi constatada a ausência de alvarás dos Bombeiros nas unidades de acolhimento - exigência obrigatória para instituições que lidam com crianças e adolescentes. Algumas casas armazenavam recipientes de gás no interior dos imóveis, junto das crianças, uma prática que fere gravemente as normas de segurança do Corpo de Bombeiros e representa risco de explosões ou intoxicação.

Essas irregularidades, somadas ao descumprimento de normas de acessibilidade, indicam um verdadeiro descaso com os direitos das crianças com deficiência. Faltam cadeiras de rodas, cadeiras de banho, camas hospitalares, e até infraestrutura mínima adaptada. Vale lembrar que o atendimento a crianças com deficiência é um dever do Estado, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, da qual o Brasil é signatário.

DESMONTE

O sucateamento do Conselho Tutelar de Foz do Iguaçu

Uma cadeia de comando composta por ex-funcionários da entidade contratada, agora gestores públicos que pagam e fiscalizam seus antigos empregadores, enquanto o órgão independente de fiscalização é desmantelado por decisões administrativas arbitrárias

Enquanto isso, o órgão que deveria funcionar como linha de frente na defesa dos direitos da infância e juventude, o Conselho Tutelar de Foz do Iguaçu, está sendo, segundo denúncias de seus próprios membros, deliberadamente desmontado. Após a intensificação das fiscalizações nas casas de acolhimento, os conselheiros relatam retaliações indiretas, como a retirada de recepcionistas, administrativos e a ausência de apoio psicológico e jurídico para lidar com a demanda crescente.

Hoje, o Conselho Tutelar enfrenta falta de motoristas no período noturno, carência de materiais básicos, ausência de psicólogos para atendimento direto às famílias, e até mesmo livros do ECA desatualizados. Tudo isso indica um verdadeiro processo de desmonte, que compromete não apenas o funcionamento do órgão, mas a integridade das ações de proteção à infância em Foz do Iguaçu.

"Parece que não querem transparência na fiscalização", relatou um conselheiro em condição de anonimato. O esvaziamento do órgão fiscalizador levanta ainda mais dúvidas sobre a conduta dos atuais gestores da assistência social. Afinal, se não há nada a esconder, por que perseguir ou limitar quem quer apenas garantir o cumprimento da lei?

Da moralidade ao risco institucional

Em última instância, o que se observa em Foz do Iguaçu é a construção de um cenário perigoso de descontrole institucional, onde os interesses pessoais parecem estar se sobrepondo ao bem público. A ética administrativa exige que não apenas se evite o ilícito, mas também a aparência de irregularidade, sob pena de comprometimento da confiança da população nas instituições.

Neste caso específico, os indícios são claros: uma cadeia de comando composta por ex-funcionários da entidade contratada, agora gestores públicos que pagam e fiscalizam seus antigos empregadores, enquanto o órgão independente de fiscalização é desmantelado por decisões administrativas arbitrárias.

A situação exige ação urgente dos órgãos de controle, como a Controladoria Geral do Município, o Ministério Público Estadual e o Tribunal de Contas do Paraná. Também é fundamental que a Câmara de Vereadores de Foz do Iguaçu cumpra seu papel de fiscalização e convoque audiências públicas para debater o tema com a sociedade.

Por fim...

A Assistência Social de Foz do Iguaçu precisa ser resgatada da sombra da desconfiança. Não é aceitável que justamente a área voltada à proteção dos mais vulneráveis - crianças e adolescentes - seja tratada com tamanho descaso. O mínimo que se espera de quem ocupa cargos públicos é ética, responsabilidade e transparência.

Se a Prefeitura quiser demonstrar compromisso real com a infância, deve iniciar uma auditoria completa no contrato das Aldeias Infantis, avaliar a legalidade e moralidade da permanência dos atuais gestores, recompor o Conselho Tutelar com urgência, e garantir que nenhuma criança da cidade esteja dormindo em um local sem alvará, sem acessibilidade, ou sem dignidade.

Porque quando a política se esquece da criança, o futuro é que paga a conta. E, neste caso, a conta está alta - e pesa sobre os ombros de quem deveria protegê-las.

Esta é uma reprodução da matéria jornalística publicada pelo Jornal Tribuna Popular, Edição 416, Páginas 10 e 11, de autoria do Jornalista Enrique Alliana

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