Deputado Vermelho não poderá se candidatar à reeleição
Por Tribuna Foz dia em Notícias

SE A LEI FOR CUMPRIDA
Deputado Vermelho não poderá se candidatar à reeleição
Portanto, juridicamente o Deputado Vermelho está inelegível e não pode disputar a reeleição em 2026. Qualquer tentativa de registrar candidatura poderá ser alvo de impugnação
O Brasil é um país onde o ditado "a lei é para todos" muitas vezes parece não passar de um enfeite retórico. A realidade política nacional mostra que, apesar da existência de dispositivos legais robustos, como a Lei da Ficha Limpa, há uma resistência silenciosa, e por vezes escancarada, para fazer cumprir o que está escrito. A história recente de parlamentares condenados, mas ainda assim tentam a qualquer custo serem reeleitos, é um retrato amargo desse cenário. E o caso do deputado federal Nelsi Coguetto Maria, popularmente conhecido como "Deputado Vermelho", é um exemplo emblemático dessa tensão entre letra da lei e prática política.
O pano de fundo: políticos blindados pelo foro privilegiado
Segundo levantamento do Congresso em Foco, dos 513 deputados federais, pelo menos 111 possuem processos criminais. No Senado, a proporção é ainda mais gritante: 20 dos 81 senadores enfrentam acusações na Justiça. Os crimes variam do uso indevido de meios de comunicação social à corrupção ativa e passiva, passando por violência doméstica, transfobia e até envolvimento em homicídios.
PL
O Partido Liberal (PL), legenda de peso na atual conjuntura política, lidera esse ranking indesejável: 35 deputados e cinco senadores investigados.
O foro privilegiado, criado para proteger a independência do mandato parlamentar, acabou se transformando, na prática, em um escudo que atrasa julgamentos e aumenta a impunidade. Muitos processos prescrevem antes mesmo de uma decisão definitiva, o que não significa que o parlamentar seja inocente, e sim apenas que o Estado perdeu o prazo para punir.
Quem é o "Deputado Vermelho"
Natural de Francisco Beltrão, porem com domicilio eleitoral em Foz do Iguaçu, Nelsi Coguetto Maria construiu sua carreira política com forte apelo regional, mas seu nome também passou a circular nos noticiários policiais. Ele foi réu na Ação Penal nº 5012170-17.2017.4.04.7002, decorrente da Operação Pecúlio, que investigou o maior esquema de corrupção envolvendo a administração pública de Foz do Iguaçu, culminando com afastamento do ex-prefeito Reni Pereira e a prisão de secretários, diretores e de doze dos quinze vereadores de Foz do Iguaçu. O processo chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que ratificou a condenação do Deputado Vermelho, mas reconheceu a prescrição da pretensão punitiva, ou seja, o tempo para punir expirou.
Em outro episódio, no Recurso Especial nº 2016735/ PR, o Ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, desclassificou a conduta para o crime de excesso de exação (art. 324 do Código Penal). Mesmo com a redução da gravidade do enquadramento, a condenação por órgão colegiado permaneceu. Não houve cumprimento efetivo de pena, justamente porque a prescrição impediu a execução.
E é aqui que entra o ponto crucial: a Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), que alterou a Lei Complementar nº 64/1990, prevê no artigo 1º, inciso I, alínea "e", que ficam inelegíveis, por oito anos, os condenados por crimes contra a administração pública, mesmo que não tenham cumprido a pena, desde que a condenação tenha sido proferida por órgão colegiado.
O entendimento dos tribunais eleitorais
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já consolidou entendimento sobre casos como o do Deputado Vermelho. Segundo o Ministro Carlos Horbach, a prescrição da pretensão executória, não afasta a inelegibilidade prevista na Lei da Ficha Limpa, porque os efeitos secundários da condenação permanecem. A Súmula nº 59/TSE é cristalina nesse sentido.
O Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE/PR) adota a mesma linha. A Desembargadora Claudia Cristina Cristofani foi taxativa: a prescrição só elimina as penas corporais e pecuniárias, mas não apaga a inelegibilidade. No caso de Vermelho, a prescrição foi reconhecida e o prazo de oito anos deve ser cumprida.
Deputado Vermelho está inelegível
Portanto, juridicamente, não há brecha: o Deputado Vermelho está inelegível e não pode disputar a reeleição em 2026. Qualquer tentativa de registrar candidatura poderá ser alvo de impugnação.
LEI DA FICHA LIMPA
Deputado Vermelho está fora!
O caso de Vermelho se encaixa perfeitamente no espírito da lei. Ele foi condenado por crime contra a administração pública por órgão colegiado. A prescrição da pena não muda essa realidade
A força e o alcance da Lei da Ficha Limpa
A Lei da Ficha Limpa nasceu de um movimento popular que reuniu mais de 1,6 milhão de assinaturas. Seu objetivo era claro: impedir que políticos condenados por crimes graves se perpetuassem no poder. Embora tenha sido alvo de críticas e manobras para reduzir sua eficácia, ela ainda representa uma barreira importante contra a normalização da corrupção.
Vermelho
O caso de Vermelho se encaixa perfeitamente no espírito da lei. Ele foi condenado por crime contra a administração pública por órgão colegiado. A prescrição da pena não muda essa realidade. Qualquer interpretação diferente seria esvaziar completamente o propósito da legislação.
O risco da impunidade travestida de formalidade
É preciso ressaltar que a prescrição não é uma absolvição. Trata-se apenas do reconhecimento de que o Estado perdeu o prazo para executar a pena. A condenação, no entanto, permanece registrada e produz efeitos, como a inelegibilidade.
O problema é que, no jogo político, a prescrição costuma ser usada como narrativa para convencer eleitores de que o candidato foi "inocentado". Não raro, políticos e aliados distorcem a verdade jurídica, omitindo o fato de que houve condenação. Esse tipo de retórica é perigoso porque mina a credibilidade das instituições e perpetua a ideia de que a lei só vale para alguns.
O papel da Justiça Eleitoral e da sociedade
Em 2026, quando o Deputado Vermelho provavelmente tentará registrar sua candidatura, caberá à Justiça Eleitoral agir com rigor. Impugnar candidaturas inelegíveis não é perseguição política, mas cumprimento da lei. O Ministério Público Eleitoral também terá papel central, acompanhando de perto cada tentativa de burlar as regras.
No entanto, a responsabilidade não é apenas institucional. A sociedade precisa estar atenta. Não basta que a lei exista; é preciso que haja pressão social para que seja aplicada. A desinformação, aliada à descrença na política, abre espaço para que condenados voltem ao poder como se nada tivesse acontecido.
A contradição do voto popular
Um dos paradoxos da democracia brasileira é que, mesmo diante de escândalos e condenações, muitos políticos são reeleitos com votação expressiva. Isso revela um problema estrutural: parte do eleitorado ainda vota mais por afinidade pessoal, benefícios imediatos ou discursos populistas do que pela análise do histórico do candidato.
No caso de Vermelho, sua base eleitoral em Foz do Iguaçu e região o enxerga como um representante próximo e acessível. Essa relação, embora politicamente legítima, não pode servir de justificativa para ignorar a lei. A popularidade não é salvo-conduto para a ilegalidade.
O teste da coerência democrática
Se a lei for cumprida, o Deputado Vermelho não poderá disputar as eleições de 2026. A inelegibilidade é consequência direta de sua condenação por crime contra a administração pública. A prescrição da pena não apaga o fato nem os efeitos jurídicos.
O caso será um teste de coerência para o sistema eleitoral brasileiro. Será que as instituições terão coragem de aplicar a Lei da Ficha Limpa mesmo contra um deputado com base eleitoral consolidada? Ou veremos mais uma vez a lei ser flexibilizada em nome de interesses políticos?
Cumprir a lei não é opcional. No caso do Deputado Vermelho, trata-se de reafirmar um princípio fundamental: quem ocupa cargo público deve ter ficha limpa, e não apenas no papel. A democracia não pode ser refém de condenados que usam brechas jurídicas para se perpetuar no poder. Caso contrário, estaremos admitindo que a corrupção não é um problema a ser combatido, mas apenas mais um capítulo na rotina da política brasileira.
Esta é uma reprodução da matéria jornalística publicada pelo Jornal Tribuna Popular, Edição 420, Páginas 10 e 11, de autoria do Jornalista Enrique Alliana